segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A visão holística

A consciência de que tudo está interligado e, mais do que isso, de que tudo é uma coisa só, um universo uno indissipável, se estabeleceu no século passado a partir das descobertas da física quântica em meados dos anos 20.

Fritjof Capra (p. 70, 1982) nos diz que Einstein, antes mesmo de publicar a teoria da relatividade, que seria o grande pilar de sustentação da teoria quântica, "acreditava profundamente na harmonia inerente à natureza, e, ao longo de sua vida científica, sua maior preocupação foi descobrir um fundamento unificado da fisica".


Porém, quase 20 anos antes de físicos do mundo todo contribuírem na elaboração dessa complexa teoria da física, Anatole France, em 1909, no conto "A Camisa" mostra a maturidade com que entendia a natureza, antevendo algo que a ciência, 20 anos mais tarde, enunciaria. Ele nos diz:

A natureza não conhece a mão ou ferramenta; ela é sútil, ela é espiritual; para as suas mais pujantes e maciças construções, utiliza as partículas inconcebivelmente tênues da matéria, o átomo, o prótilo. De uma névoa impalpável faz rochas, metais, plantas, animais, homens. Como? Por atração, gravitação, transpiração, penetração, inibição, endosmose, capilaridade, afinidade, simpatia. O modo como forma um grão de areia não difere daquele em que formou a Via Láctea: a harmonia das esferas reina num e noutra; esta como aquele só subsistem pelo movimento das parcelas que os compõem, que é a sua alma amorosa e musical em perpétua agitação. Entre as estrelas do céu e os grãos de pó que dançam na réstia de sol que atravessa este quarto não há qualquer distinção de estrutura; o menor destes corpúsculos é tão admirável quanto o Sírio, pois a maravilha de todos os corpos do universo é o infinitésimo que os forma e os anima. É assim que trabalha a natureza. Do impalpável, do imperceptível, do imponderável ela compôs o vasto mundo acessível aos nossos sentidos e que a nossa mente pesa e mede; e a matéria com que nos produziu a nós é menos que um sopro.

(FRANCE, p.110, 1983)

sábado, 8 de agosto de 2009

Pânico no Ar: Gripe A como nova inimiga de Estado.

por Rodrigo Colla

Não sei o que de fato assusta mais, a gripe A ou o pânico generalizado em torno dela. Talvez seja, esse medo mórbido do ar, o primeiro indício do fim dos tempos. Quando tudo temermos de forma crônica, creio que todos os sentidos levarão à morte por múltiplos contágios e todos os quatro elementos palpáveis – prescindindo-se o éter – serão hospedeiros de microorganismos letais.

É a hora e a vez de ter medo do ar. Ele que já está na berlinda há tempos por ser o hospedeiro de moléculas de fumaça que nem se sabe mais que infinidade de podridão conterão. Agora traz um vírus novo, o da gripe A, de “ar”. Para nos protegermos dele, o ar, lançamos a nova moda das máscaras, o chavão de que “a dor ensina a gemer” dessa vez tornou-nos estilistas por excelência. Se rumarmos para o fim do mundo, pelo menos teremos sido a vanguarda das máscaras, já que cansamos da luta política, desistimos da arte e desdenhamos o espírito para reificarmos nossas metas e sonhos.

Terão muitos se dado conta da semelhança que o cenário atual tem com o dos filmes de “ficção científica” – que talvez devam começar a ser classificados em um novo gênero, o dos filmes proféticos, por exemplo?

Hoje nos dizem: “não fiquem em locais fechados”. Ora, no passado, nos deram a entender: enclaustrem-se entre quatro paredes, quaisquer que sejam elas. Tiraram-nos os cinemas de rua e as lojas, as galerias, para entulhar salas e salas dentro de shoppings centers. O intuito: proteger-nos de nossos semelhantes.

Agora a violência do ar ganha as páginas dos jornais e, convenhamos, dele é mais difícil se defender. Enquanto o medo cerceava-se apenas a coisas visíveis, ainda podíamos, de certa forma, nos protegermos dos “males” restringindo-os a algumas áreas. Como já fizemos com o fogo, com a água, com certos animais e até com semelhantes. Não obstante, agora, de volta à infância, temos medo do “escuro”, do invisível.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Transtempo, por Rodrigo Colla

Ligar? Não, não ligo.
Desdigo
Pressinto o nada premente no caminho
Incito a mente ao vazio
E nada

Incipiente desejo insípido
De desdenhar o tino
Preconizar vazios
Enlevar desvarios
Em detrimento do raciocínio

E o ser verbal invisível
Irascível sentir semi-sensível
Uma verdade nua indizível
E para mim, assim, assaz falível

Para dizer: sim, sou.
Rezando prostrado a um Deusser mor
Do verbo palavreando minha dor
Radiando felpas de celeste estupor

Verbalizando meu sufoco, o ar me escarnece
Quase paralisando o tosco rebimbar do peito agreste

Segue.
Segue assim, ar zombeteiro
Fazendo graça de mim, contrafeito
Da dor, do suor, do tempo perdido

Tempo, ó transtorno, transtempo
Torno-me torto em contratempos
Falta-me tino no tocar
Falta-me ar
Ou qualquer alento
Que faça com que eu siga
Claudicante no tempo
Insistindo com essa coisa que chamamos
Vida

sábado, 6 de junho de 2009

Um Átomo, por Rodrigo Colla

Não havemos de
esperar a derradeira hora
quando um abraço pode valer a vida toda
quando uma lágrima pode conter todo significado
de tudo que em vida foram miríades de significados esparsos
fincados em lapsos de um tempo inexistente

quando um sussurro pode ser o fim
e um estertor contiver a eternidade
condensada num só átomo pulsante e vivo
que não é tempo, não é vida, não é passado

Não havemos de
Deixar tudo para o final
Se desde já podemos ser salvos
Ou nos salvar aos poucos nessa linha imaginária
Que em nosso imaginário não é linha
é um infinito átomo

(Muito já chorei na infância em noites frias
Coberto de sonhos e cobertas
Envolto por esse globo atômico
Sabia que um dia eu teria um fim
Mas muito já sorri mais tarde
por essa propriedade do tempo de dar fim a tudo)

Findamos um pouco mais a cada atomozinho
A cada interstício que passa imperceptível

Podemos pensar no fim
Ou na significação

Significamo-nos também a cada infinitozinho a mais
Que nos passa, nos toca, nos faz sentir
E ver
Que há uma só vida em tudo
Há um único tempo
O presente
E um único espaço
Nós
Num intervalo irrestrito

Um átomo único
no espaço-tempo dinâmico
do infinito

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Insuportavelmente Perdido, por Rodrigo Colla

Quero abraçar o mundo
Mas meus braços não o comportam
Trilhar os caminhos mais curtos
Tomado pela avidez de em pouco tempo
Ter de tudo um pouco e mais o tudo

Nem sempre são caminhos seguros
Mas meus pés não se importam
Seguem sorrateiros seus ignotos rumos
Tomados pela cálida labareda do desejo
De em tudo viver tudo, ter para mim todo o tempo

Despistado pelo meu olhar já turvo
Sigo por atalhos que me desorientam
Becos de pedra estreitos e escuros
Que canalizam um vento frio como gelo
Muralhas de pedras manchadas são o meu cabresto

Quero me encontrar nesse cinza escuro
E nas trevas gélidas acalentar meu eu
Com fogueira de palha úmida, que seja
Mas manter meu espírito fervendo
Do contrário, não terei nem alento nem tempo
Não terei a mim mesmo
Para seguir trilhando o erro dos meus passos
E abraçando o insuportável fardo
De viver num mundo sem cabimento

sábado, 9 de maio de 2009

Voltar aos 17, por Rodrigo Colla e Tati Lopes

Como o musguinho na pedra,
brotamos do enredo do que éramos.
Desenredando-nos, enredamo-nos ainda mais.
Enredados no mar insensível da correria cotidiana,
o nosso pensar tornou-se um frenesi que desencadeia
o esquecimento, a desessência.
Como se o dia-a-dia corrompesse um âmago antigo.

Somos de fato frágeis como um segundo.
No entanto, somos fortes como as oito horas diárias
que dedicamos burocraticamente ao que não somos.

O que somos?
Somos a pedra na qual brotam os musgos, somos lisos e a nada nos apegamos, somos o frio, somos empedernidos, somos muito pouco do que fomos.

(A nada nos apegamos?)

E não podemos ser o que fomos - água, mas somos água em essência.
Somos, essencialmente, líquidos. E, embora não sejamos tudo o que, aos 17 vislumbrávamos ser, Somos. E depois de tanto lutar para não ter 17, para não ser 17. O que mais se quer é voltar aos 17. É pensar que o 18 está logo ali. Encheremos a cara e os outros que se fodam.

Seremos, ano que vem, maiores. E a lei estará conosco. E todo esse vinho será legal. A embriaguez será corroborada pela medíocre lei. Como sempre (e como é bom pontuar), seremos os velhos bêbados que fomos antes dos 17, mas agora bêbados e boêmios

(não desdivagaremos, não recorreremos aos amansas burros)

[não lembramos da porra do adjetivo, foda-se ele, afinal. Fugiu de nós como a essência talvez tenha fugido um pouco. Não deve ser por acaso, afinal, tanta fuga assim.]

Ah, “legitimados”. Sim, lembramos.
Bêbados e boêmios legitimados. E legalizados, é claro.

Não obstante, hipocritamente, nos dizem que não. Não, não podemos beber com nossos 17-27 anos, é ilegal. Temos, agora, 17? 27? Não temos porra nenhuma, afinal nada nos pertence.

{TATI (Ou a essa hora e depois de 2 garrafas de vinho pensaria ela ser Mercedes?!) – “Porra” de novo não.

RODRIGO (Ou igualmente ele pensaria ser Milton?!) - Porque não? Tem “porra” só lá em cima.

TATI - Mas eu não gosto de repetir palavras.

RODRIGO - Ah, mas “porra” é uma boa palavra.

TATI - Tá, então. Mas continuo achando que tem “porra (na dúvida, uma aspa apenas) demais.

RODRIGO - Mas o que posso fazer, se a porra (esta sem aspas mesmo) é abundante, azar.

TATI - É!? Ou até melhor, né. Já que acabou o vinho.

TATI - Bah, acabou o vinho, e agora!?

RODRIGO - Bah, pois é.

TATI - Ah, eu sei onde pegar mais vinho.

[(contagem de dinheiro)

RODRIGO = R$0,00 (corrigindo, R$0,05). Risos...
TATI = 22,00 pila]

RODRIGO - Tá, mas antes temos que acabar este texto.

TATI - Mas este texto nunca vai acabar porque a divagação nunca acaba. Ainda mais em mentes como as nossas.

RODRIGO - Mentes vazias?

TATI - Superlotadas. Tá, tu tem vinho aí, compartilha.

RODRIGO - Bah, diferente do texto. O vinho acabou. Culpa tua, não devia ter compartilhado. Me fudi.

TATI - Tá, chega de texto. Até mais texto, vamos em busca do vinho.}

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Povoados dos Sonhos, por Rodrigo Colla

Povoados dos sonhos
Mentes dos sonos
De trabalhadores laboriosos, repletas

Não mintamo-nos o que somos
Mesmo que reste do pesadelo escombros
Ergueremos deles Eus vigorosos, espíritos poetas

Edifiquemo-nos jubilosos, vivamos
Providos de altivez e bem-aventurança
Andemos ao lado da mãe esperança

E quando chamados para outro plano sigamos
Num onírico divagar de eternas lembranças
No cirandar infantil da sapiência, em nossas andanças

E se no sonho estiver eu amordaçado
E almejar cantar o mais alto
Que jamais cantei
Sonhar com o canto que sempre sonhei
No sonho que estiver a sonhar
Sonho será o canto que não soará
Mas prodigioso e enigmático seguirá
Reverberando no vácuo sonhador
Inaudível ao seu próprio senhor
Intrépido a cantar
Atrás da mordaça

Sim, existe esperança

E se inalcançáveis forem, horizontes de infinitas nuanças
Com nesgas de sol entre nuvens de bonança
Meus olhos lá estarão vendados
E por debaixo das vendas verão os astros
Verão a primavera-verão de cores embriagadoras
Serão olhos cegos para todas as horas
Num onírico piscar de sonhos fechados
Até que se abram cegos para a vida lá fora